RESENHA DO PÚBLICO

Que a palavra continue a dançar

O que leva três artistas a se reunir em um teatro vazio, em plena pandemia, para criar, improvisar, dançar poesia, musicar o ar, oxigenando – se e oxigenando este ambiente de “fumaças e cinzas”, como dizem os versos de Martin Domecq.

Na escola, nos ensinaram que temos cinco sentidos, cada um em seu lugar. O pensamento cartesiano. Anderson, Iaggo e Martin derrubam esses muros. A palavra atravessa o corpo, a música fisicalizada em vibrações percorre o espaço e desenha formas e textos, as poesias se liberam do cárcere do papel para se encarnar nas mãos que mexem no teclado, no corpo que as dança.

Imaginamos os artistas no teatro vazio, em penumbras. O diretor único e solitário público, na platéia, ocasionalmente subindo ao palco para sinalizar movimentos, sugerir disparadores para a improvisação. Os três totalmente entregues ao momento presente, pois, a improvisação só acontece no presente, construindo uma paisagem sonoro-linguístico-corporal.

Longe de nossa paisagem sonora cotidiana: o da surdez dos ruídos vãos e da cegueira de estímulos visuais constantes.

No filme Curadores da Terra Floresta, Davi Kopenawa nos mostra reunião de cura dos pajés yanomamis, em 2014. Vemos nos pajés trazendo espíritos da floresta as “imagens audíveis” das que fala Rodolfo Caesar. São os corpos que falam, como totalidade e não somente a voz. Os pés batendo no chão, os braços abrindo – se ao vento, a cabeça que gira, a mão que aponta para alguma imagem que a força da yakoana (planta sagrada) lhe permite ver. “Impossível separar os sentidos”, diz Caesar, aproximando – se, sem nomeá – la, da cosmogonia indígena.

” Escutar com o corpo, deixar que as vibrações o percorram como uma câmara de ressonância”, como diz a musicista escocesa Evelyn Glennie.

E como expressa Ana Alvarenga, sobre sua experiência com os contos de cura maxacalis: “Diante da partitura, eu ouço a música como se a estivesse olhando. Sempre foi assim. Associava o som à cena que estava atrás dele. Pensava no que os maxacalis diziam e no que faziam. É uma música que anda no tempo, ocupa espaço, faz movimentos corporais. Eu escuto a música em imagens.”

Os nossos modos de atenção hiperestimulados, e assim anestesiados, tornam – se insuficientes, ferramentas gastas, o neocórtex onipotente, Ulisses amarrado ao mastro e com cera nos ouvidos, um paradigma que está nos levando à borda da extinção. Mesmo assim estamos brigando por um espaço na arca de Nóe que não soubemos construir.

Como ensaio de resposta ao primeiro parágrafo, os artistas no teatro vazio estão curando e se curando.

Palavraemdança, seja uma arca, um abre asas, uma pajelança.

 

Patricia Grinberg

Jornalista, tradutora, educadora na área rural e estudante de Licenciatura em Artes (UFSB)

 

Referências

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